No final de 2012, um instituto fez uma pesquisa com 800 pessoas de todas as regiões do país sobre a percepção do brasileiro em relação ao consumo, sustentabilidade e responsabilidade social. Uma das perguntas foi: “Para você, o que é felicidade?”. Os resulrados mostram que, para os entrevistados, ser feliz não envolve primariamente adquirir mais bens de consumo, mas desfrutar a vida com saúde e segurança, em companhia dos qmigos e familiares.
^—”Tíàtf cieixa de ser uma boa notícia a de que o brasileiro tem consciência de que “a verdadeira felicidade não se compra”. Mas^abem da verdade, a údeia captada pela pesquisa ainda corresponde ao senso comum de felicidade, que equivale à ajegria^e satisfação, em um contexto de jtusência jde problemasT~sol™^ ou insegurança.
Uma coisa, porém, é se considerar feliz segundo esses critérios naturais, e outra completamente diferente é ver a felicidade segundo Jesus Cristo. As bem-aventuranças foram pronunciadas há quase dois mil anos, mas até hoje não perderam a capacidade de desafiar nossa noção do que é ser feliz.
-
A BEM-AVENTURANÇA
A expressão “bem-aventurado” (makairos) pode ser traduzida superficial-
– Bem-aventurança final
mente por “feliz”. Ela era usada pelos gregos para descrever a condição de plenitude e prazer desfrutada pelos deuses no Olimpo: sem limitações, obrigações ou privações, os deuses eram considerados modelos de existência feliz. Significa mais do que um estado emocional de felicidade. É um termo com profundo referencial religioso, incluindo o bem-estar espiritual, a aprovação de Deus e, assim, descreve os que desfrutam do favor divino.[1]
As condições para as bem-aventuranças já foram interpretadas como os pré-requisitos do discipulado cristão. Sendo condições, Jesus estaria dizendo: “Se quiserem ser meus discípulos, com todos os benefícios espirituais que isso traz, vocês precisam ser humildes, mansos, famintos por justiça, etc.”. Outros as têm entendido como se as qualidades já existentes fossem a causa das promessas feitas; assim, a humildade de espírito, a misericórdia, a pureza de coração, a disposição para sofrer perseguição, etc., seriam os motivos pelos quais os discípulos alcançariam as bênçãos espirituais. Em ambos os casos, Jesus estaria pregando uma espiritualidade contrária ao ensino geral do Novo Testamento, de que a salvação é obra exclusiva da graça de Deus sobre pecadores que nada poderiam fa-
zer para merecê-la. Por outro lado, alguns entendem que as bem-aventuranças descrevem muito mais propriamente o próprio Senhor Jesus. Ainda que haja alguma verdade nisso, não devemos diminuir sua relevância como padrão para o cristão comum do século 21, uma vez que Jesus as declarou aos seus discípulos; lembremos que a vida de discipulado é, de fato, uma vida de imitação de Cristo (Mt 5.48; ICo 11.1; Ef 5.1). Além disso, somos exortados a não imitar o procedimento hipócrita e incoerente dos fariseus, que davam seu “jeitinho” para se isentar de obedecer à lei de Deus (Mt 23.3; Mc 7.6-13).
-
De acordo com Marcos 7.6-13, de que modo os fariseus procuravam ficar isentos de obedecer à lei de Deus?
De todo modo, a interpretação correta das bem-aventuranças parte da constatação de que no Sermão do Monte o Senhor considerou o Antigo Testamento, especialmente os Salmos, que utilizam a expressão hebraica correspondente (,ashrê: “feliz”, “abençoado”) cerca de 25 vezes. Nos Salmos, “bem-aventurado” é uma expressão exclamatória, quase uma interjeição, como que declarando: “Olhe só como é abençoado quem…”. Normalmente, pretende servir como incentivo a determinada atitude, tanto para aquele que é retratado na bem-aventurança (levando- o a perseverar), quanto para aqueles que ouvem a respeito de sua bem-aventurança (levando-os a imitá-lo). Por exemplo, como elogio daquele que vive em obediência à lei divina (SI 1.1; 84.4-5; 119.1-2); como promessa de que aquele que busca a presença de Deus o encontrará (SI 32.1-2); e como garantia de recompensa aos que agem piedosamente (SI 41.1; 128.1-2).
-
De que modo a compreensão do uso do termo “bem-aventurado” no Antigo Testamento nos ajuda a entender seu significado no Novo Testamento?
Ali no monte, rodeado por seus discípulos e por grande multidão, o Mestre Jesus se assentou e passou a lhes ensinar acerca do altíssimo padrão de conduta esperado de seus seguidores (Mt 5.47). Em suas palavras introdutórias, Jesus declarou a respeito deles, de forma memorável, por nove vezes: “Bem-aventurados!”.
Obviamente, o anúncio se fundamenta na fé, que é a certeza daquilo que esperamos e a prova daquilo que ainda não enxergamos (Hb 11.1; 2Co 4.18; 5.7). Jesus está afirmando que, ainda que todos considerem os seus seguidores como os mais infelizes e desafortunados dos homens, e ainda que os próprios discípulos não tenham elementos concretos para ver a si mesmos como “felizes”, diante de Deus e pelas normas do seu reino eles são realmente felizes — e isso no sentido mais elevado do termo.[2] “Vejam só como são afortunados os que me seguem!”
-
Que ponto básico relaciona os textos de Hebreus 11.1,2Coríntios 4.18 e 5.7, com relação à fé?
Segundo o padrão observado nos salmos, as bem-aventuranças não apresentam pré-requisitos para o discipulado, nem salvação por boas obras; pelo contrário, apresentam uma descrição do discípulo, em termos ideais, retratando seu triunfo com grandiosidade – tanto para seu próprio estímulo quanto para provocar a admiração e imitação da multidão espalhada pela planície, que o ouvia atentamente.
-
OS BEM-AVENTURADOS
Percebe-se claramente que as oito primeiras bem-aventuranças são muito
semelhantes na estrutura (v. 3-10); sua unidade é reforçada por serem emolduradas pela referência à posse do reino dos céus no início e no final (v. 3 e 10). Não se trata de uma relação de oito tipos de pessoas abençoadas, mas uma apresentação detalhada de um único grupo de pessoas, identificado por várias características. Por outro lado, não devemos pensar que Jesus estava descrevendo uma elite espiritual de superdiscípulos, mas o cristão “normal” — como aqueles que o rodeavam para ouvi-lo:
-
Humildes de espírito
A palavra significa “pobres”, especialmente “pedintes”, indicando não somente suas circunstâncias econômicas, mas também sua condição de oprimidos e aflitos, uma vez que estão indefesos diante dos poderosos. Mateus caracteriza “pobres de espírito” (compare Lc 6.20), evitando assim uma má compreensão de que cada pobre seja automaticamente um discípulo, mas somente aquele que aprendeu com a pobreza a completa dependência da graça de Deus. Já que a Lei de Deus protegia os pobres, seu clamor sempre constituiu um sinal especial para a justa ira divina, por isso os profetas assumem sua causa em nome de Deus (Dt 24.10- 15; Is 58.6-10).
-
De que modo os textos de Deuteronômio 24.10-15 e
Isaías 58.6-10 tratam o pobre?
-
Os que choram
Dentre os termos gregos para “chorar”, esse tem a conotação de “lamentar”, associado no AT ao arrependimento ou luto, como quando os profetas convocavam Israel a lamentar por seus pecados ante o iminente julgamento divino, ou prometiam a vinda da era messiânica, quando não haveria mais lamento (Am 5.16; Is 3.26; J1 1.9-10; Is 61.3; 66.10). Significa lamentar pelos efeitos do pecado na vida pessoal, na sociedade e no mundo em geral, o que inclui desde o arrependimento pelos pecados até a inconformidade com os males que assolam o planeta.
-
Mansos
Jesus cita um salmo que ilustra tanto o significado da mansidão quanto sua base: manso é aquele que não se ira nem busca revidar a injustiça sofrida (SI 37.1, 7-8); ele age assim porque espera pelo julgamento de Deus em seu favor e contra o mal (SI 37.4-6,9). Durante os anos em que foi perseguido por Saul, Davi ilustrou muito bem a mansidão (ISm 24.6).
-
Como a mansidão de Davi é demonstrada em 1 Samuel 24.6?
-
Famintos e sedentos por justiça
Aqueles que têm fome e sede de justiça são os que anseiam por ver o triunfo final de Deus sobre o mal que impera neste mundo. No AT, o povo de Israel, no Egito, se tornou o tipo daqueles que anseiam por justiça e são atendidos por Deus (SI 107.1-7); evidentemente, também contempla o anseio pessoal por uma vida justa e reta diante de Deus (SI 42.1-4).
-
Misericordiosos
Misericórdia ou compaixão é a comoção diante da miséria ou necessidade do outro, conforme a parábola do credor sem compaixão (Mt 18.33). Nada comprova mais claramente que reconhecemos que recebemos misericórdia que a nossa própria prontidão em ser misericordiosos.
-
Como a misericórdia é demonstrada, ou a falta dela, em Mateus 18.23-35?
-
Limpos de coração
“Limpos” também se refere à pureza ritual, tão cara ao judaísmo farisaico daqueles tempos, mas que acobertava tão bem a ausência da verdadeira piedade e adoração (Mt 23.25-26). Davi já reconhecia que somente os limpos de coração poderiam estar na presença de Deus, e clamava por um coração limpo (SI 24.3-5; 51.10). Jesus elogia a pureza no coração, pois é dele que procedem as sujidades do pecado (Mt 15.18-19).
-
Pacificadores
Ainda que o ministério do próprio Senhor Jesus não tenha sido pacífico, dividindo a humanidade entre crentes e descrentes (Mt 10.34), o evangelho é exatamente a notícia de que Deus fez paz com os pecadores. Assim, os discípulos de Cristo se tornam promotores da paz, reconciliando os homens com Deus e com o próximo (2Co 5.19-20).
-
Perseguidos
A perseguição é apresentada como marca do discípulo de Cristo; porém, ao contrário das anteriores, essa bem-aventurança não define uma característica pessoal do cidadão do reino de Cristo, mas uma circunstância externa a ele e, na verdade, promovida por outros contra ele. O que ocorre é que sua vida, pautada pela justiça, atrai a perseguição em um mundo injusto e corrupto, que prefere não se lembrar de que há um padrão de vida que os condena (Fp 2.15; 2Tm 3.12). A bênção de Deus sobre Davi atraiu o ódio do rejeitado rei Saul.
-
Tomando por base 2Timóteo 3.12, podemos dizer que todo cristão fiel sofrerá algum tipo de perseguição?
A perseguição é um tema tão relevante para os cidadãos do reino de Cristo, que recebe destaque especial nas bem-aventuranças: 1) é declarada por duas vezes (v. 10-11); 2) Jesus abandona a impessoalidade para se dirigir diretamente aos discípulos (vocês são bem-aventurados); 3) recebe explicação adicional quanto aos modos da perseguição (injúrias, mentiras, etc.) e incentivo (exortação a se alegrar e comparação com os profetas).
O fato de as bem-aventuranças terem seu clímax na perseguição ressalta a distinção fundamental entre os discípulos e o mundo, que permeia toda a série e o Sermão do Monte em geral (aliás, a Bíblia toda). Cada uma das bem-aventuranças só pode ser entendida em um contexto em que o cidadão do reino de Deus ainda vive como estrangeiro neste mundo que foi corrompido pela rebeldia contra o Criador.
III. A PROMESSA DO REINO DOS
CÉUS
Assim como dissemos que as bem-aventuranças descrevem um único tipo ideal, o discípulo de Cristo, podemos afirmar que, semelhantemente, elas apresentam uma única bênção prometida ao discípulo: o reino de Deus (v. 3,10), indicando que são bênçãos da era do reino messiânico.
A expectativa dos fiéis da Antiga Aliança (como Simeão, “que esperava a consolação de Israel, Lc 2.25-26) era que a vinda do reino messiânico lhes trouxesse sua herança e seu consolo, a justiça que ansiavam e a misericórdia de que necessitavam, a presença benevolente de Deus, a declaração pública de que são filhos de Deus. Jesus afirma que a recompensa celestial deles é grande: a posse do próprio reino.
Certamente, há um sentido em que a plenitude da ação de Deus em favor do pobre só será visto no reino messiânico (SI 132.11-18); por isso, o anúncio da chegada do reino de Deus é recebido com especial alegria por eles (Lc 4.18-19), pois
é também a chegada da misericórdia e do consolo tão desejados (Is 66.12-13; Ap 7.16-17; 21.4-5). Da mesma forma, a ação de Deus que os mansos aguardam, sedentos e famintos por ver sua justiça finalmente imperar, somente será vista no Dia de sua ira, prometido pelos profetas (Is 32.15-18). “Herdar a terra” remete à promessa divina a Abraão, que em Cristo se estendeu a todos que creem (Gn 17.7-8; 3.29). A suprema expressão de bem-aventurança é “ver a face de Deus”, um hebraísmo que significa “ser recebido na presença”, “receber o favor” de Deus (Gn 44.26; SI 42.2). Entretanto, isso levanta uma questão: “essas bênçãos se referem ao presente ou somente ao futuro?”.
A melhor resposta é: são bênçãos tanto desfrutadas no presente quanto esperadas para o porvir. A maioria das promessas está no tempo futuro (v. 4-9), mas são emolduradas pela promessa abrangente de possuir o reino de Deus, no presente (v. 3,10). Note que a repetição estendida da bem-aventurança sobre os perseguidos ordena no tempo presente uma alegria decorrente da certeza do galardão celestial (v.12). Já que são experimentadas parcialmente na presente era, mas somente serão desfrutadas plenamente na vida futura, as bem-aventuranças correspondem à natureza do próprio reino de Deus que Cristo veio inaugurar e anunciar sua chegada. O reino já é dos discípulos, mas ainda não pode ser desfrutado plenamente até o seu estabelecimento por Cristo na sua vinda em glória. Assim, mais do que indicar um aspecto futuro, o tempo verbal futuro usado na descrição das bênçãos serve para enfatizar a plena certeza de seu cumprimento.
-
Como os versículos 3 e 10 de Mateus 5 apresentam